O contrato é um instituto jurídico de suma importância para as relações econômicas do mundo atual. Ainda que não seja algo novo, e está lo...

Breve análise do autocontrato


 

O contrato é um instituto jurídico de suma importância para as relações econômicas do mundo atual. Ainda que não seja algo novo, e está longe de sê-lo, o contrato se tornou indispensável para o nosso dia-a-dia, visto que, a dinânimca das relações econômicas dos últimos tempos multiplicou a quantidade de contratos existentes, bem como suas formas e conteúdo. Isto posto, o papel da lei consiste em determinar seus elementos indispensáveis para que haja uma maior segurança aos indivíduos contratantes.

O contrato é um acordo de vontades firmado por duas ou mais pessoas, capaz de criar, modificar ou extinguir direitos. Ele faz lei entre as partes, e assim sendo, os contratantes ficam obrigados a realizarem aquilo que acordaram desde que haja nele os elementos determinados pelo artigo 104 do Código Civil, os quais são: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Há autores que esquematizam os elementos de forma diversa como, por exemplo, a professora Maria Helena Diniz citada pelo autor Flávio Tartuce (2019, p.4). A doutrinadora ensina sobre os elementos essenciais para a formação do contrato, sendo eles: a alteridade e a composição de interesses contrapostos. Dessa forma, é pela ênfase na necessidade da existência de mais de um contratante que parte dos civilistas discordam da existência de um contrato consigo mesmo.

O autocontrato consiste no negócio jurídico concluído por uma única pessoa, em nome próprio e de outrem. Há também a possibilidade de uma pessoa concluir um negócio jurídico em nome de duas pessoas que desejam contratar entre si. Esse instituto passou a vigorar na legislação brasileira através do Código Civil de 2002, pois no Código de 1916 ele não era mencionado, o assunto era apenas tratado pela doutrina e aceita pela jurisprudência. A partir de então, essa possibilidade de contrato é válida desde que observados alguns requisitos. No artigo 117 do Código Civil encontramos a possibilidade expressa na sua redação: “Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.” Nesse sentido, pode-se observar que é possível esse tipo de contrato desde que a lei permita ou haja uma manifestação da vontade de um dos contratantes para que o outro lhe represente no momento de realizar o contrato. Ficam assim, afastadas muitas das críticas feitas anteriormente à vigência do Código Civil atual, referentes ao conflito de interesses entre representante e representado, visto que o negócio é concluído dentro da manifestação de vontade daquele que outorga os poderes para a realização do acordo.

Sobre a matéria aqui abordada, o ilustríssimo Sílvio Venosa em sua obra sobre contratos ensina: ”O negócio só poderá ser admitido quando houver expressa permissão ou quando no negócio não haja âmbito de atuação maior para o representante, de molde a locupletar-se indevidamente com o exercício do mandato.” Sendo assim, ainda que não haja na procuração uma determinação expressa, ou seja, sendo ela genérica, o mandatário pode concluir um negócio consigo mesmo em nome do outorgante, desde que esteja dentro do interesse deste que lhe conferiu poderes.  Um exemplo é o da compra e venda, na qual o mandante deseja vender um terreno de preço determinado, independente de quem o adquira. Se o mandatário tiver o valor estipulado na procuração, ele pode realizar a compra do imóvel, pois a compra estará de acordo com a vontade do mandante. O mesmo não acontece se, em uma compra e venda, o representado tenha estipulado um valor mínimo de venda e o mandatário venha a adquirir o bem mesmo podendo vendê-lo a terceiro por um preço superior. Neste último caso, o contrato pode ser anulado ou ratificado pelo mandante.

Como dito anteriormente, a nossa doutrina também considera como autocontrato aquele resultante da dupla representação, onde os dois contratantes são representados por uma mesma pessoa com intuito de que seja realizado o negócio jurídico. Tomando como exemplo também um contrato de compra e venda, duas pessoas que desejam efetuar a compra de um bem e impossibilitadas de se encontrarem ou que apenas desejam economizar tempo, podem constituir um mandatário para realizar o negócio em nome de ambos, comprador e alienante.

Por fim, ainda que haja muita discussão quanto à existência ou validade de um contrato consigo mesmo, a sua prática é possível e encontra amparo na legislação, pois não há margem para conflito de interesses no autocontrato, tendo em vista que ele surge da vontade de contratar daquele que confere poderes a outrem, com todos os requisitos do negócio já predeterminados no ato da constituição do mandato. 

 


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 07 mar. 2022.

 

CONTRATO CONSIGO MESMO (autocontratação). In: Dicionário Jurídico. DireitoNet, c2016. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1709/Contrato-consigo-mesmo-autocontratacao#:~:text=Pode%20ocorrer%20a%20hip%C3%B3tese%20de,%2C%20mas%20somente%20os%20representados). Acesso em: 15 fev. 2022.

 

TARTUCE, Flávio. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. 14ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil 3: Contratos. 21ª Edição. São Paulo: Atlas, 2021.

 

KROETZ, Maria Cândida do Amaral. A Representação Voluntária no Direito Privado. Orientador: Professor Sansão José Loureiro. Coorientador: Professor José Antonio Gediel. 1996, 129f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós-Graduação, Setor de Ciências Jurídicas e Sociais, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1996. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/65563/D%20-%20MARIA%20CANDIDA%20DO%20AMARAL%20KROETZ.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 18 fev. 2022.

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